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sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Definição a respeito das sagradas imagens - II Concílio de NICÉIA (7º ecumênico)

II Concílio de NICÉIA (7º ecumênico) 24 set. – 23 out. 787

600-603: Sessão 7ª, 13 out. 787
A definição concordada na sessão 7ª, foi publicamente proclamada com solenidade na sessão 8ª, de 23 out.
Ed.: MaC 13, 377C-380B / COeD3 13536-13734 / HaC 4, 456A-D.

Definição a respeito das sagradas imagens

… Como que prosseguindo sobre a via régia, seguindo a doutrina divinamente inspirada pelos nossos santos Padres e a tradição da Igreja católica – pois reconhecemos que ela é do Espírito Santo que a habita –, nós definimos com todo o rigor e cuidado que, à semelhança da figura da cruz preciosa e vivificante, assim as venerandas e santas imagens, quer pintadas, quer em mosaico ou em qualquer outro material adequado, devem ser expostas nas santas igrejas de Deus, sobre os sagrados utensílios e paramentos, sobre as paredes e painéis, nas casas e nas ruas; tanto a imagem do Senhor Deus e Salvador nosso Jesus Cristo como a da Imaculada nossa Senhora, a santa Deípara, dos venerandos anjos e de todos os santos e justos.
De fato, quanto mais <os santos> são contemplados na imagem que os reproduz, tanto mais os que contemplam as <imagens> são levados à recordação e ao desejo dos modelos originais e a tributar a elas, beijando-as, respeito e veneração; não, é claro, a verdadeira adoração própria de nossa fé, reservada só à natureza divina, mas como se faz para a representação da cruz preciosa e vivificante, para os santos evangelhos e os outros objetos sagrados, honrando-os com a oferta de incenso e de luzes segundo o piedoso uso dos antigos. Pois “a honra prestada à imagem passa para o modelo original”1, e quem venera a imagem venera a pessoa de quem nela é reproduzido.
Assim se reforça o ensinamento dos nossos santos Padres, ou seja, a tradição da Igreja universal, que de um extremo ao outro da terra acolheu o Evangelho. Assim nos tornamos seguidores de Paulo que falou em Cristo [cf. 2Cor 2,17], do divino colégio apostólico e dos santos Padres, mantendo as tradições que temos recebido [cf. 2Ts 2,15]. Assim podemos cantar para a Igreja os hinos triunfais à maneira do profeta: “Alegra-te filha de Sião, exulta filha de Jerusalém; goza e regozija-te com todo o coração; o Senhor tirou de teu meio as iniqüidades dos teus adversários, foste libertada das mãos dos teus inimigos. Deus é rei no teu meio, não mais verás o mal” [Sf 3,14s Septg.], e paz contigo para sempre!
Aqueles, pois, que ousam pensar ou ensinar diversamente, ou, seguindo os ímpios hereges, violar as tradições da Igreja, ou inventar novidades, ou repelir alguma coisa do que foi confiado à Igreja, como o <livro do> Evangelho, a imagem da cruz, uma imagem pintada ou uma santa relíquia de um mártir; ou <que ousam> transtornar com astúcia e engodo algo das legítimas tradições da Igreja universal ou usar para fins profanos os vasos sagrados ou os mosteiros santificados, nós decretamos que, se bispos ou clérigos, sejam depostos, se monges ou leigos, sejam excluídos da comunhão.

As sagradas imagens, a humanidade de Cristo, a tradição eclesiástica

Nós acolhemos as venerandas imagens; nós submetemos ao anátema aqueles que não admitem isto …
Se alguém não admite que Cristo, nosso Deus, é circunscrito segundo a humanidade, seja anátema. …
Se alguém não admite que as narrativas evangélicas sejam explicadas com imagens, seja anátema …
Se alguém não honra estas <imagens> que são para o nome do Senhor e dos seus santos, seja anátema.
Se alguém rejeita toda a tradição eclesiástica, escrita ou não escrita, seja anátema. …

Fonte: Denzinger, Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral da Igreja católica

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

A CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DO PROTESTANTISMO, SEGUNDO OS PROTESTANTES



Todo o Protestantismo se estrutura a partir do princípio Sola Scriptura, somente a Bíblia. Como disse o famoso Charles Haddon Spurgeon “A Bíblia, toda a Bíblia, e nada mais que a Bíblia é a religião dos protestantes” (“The Eternal Name”).

De fato, temos que “Sola Scriptura já foi chamado o princípio formal da Reforma, no sentido de que se posiciona no início de tudo e assim direciona e forma tudo que os cristãos afirmam como cristãos” (James Montgomery Boice, “Reforma hoje”, 1999, p. 7; evidentemente se referindo aos protestantes pelo termo “cristãos”).

Também já se disse que “Sola scriptura é um dos princípios fundamentais da Reforma Protestante. Alguém poderia até dizer que outras grandes doutrinas da Reforma (tais como sola gratia e sola fide) são logicamente dependentes do sola scriptura” (Brian M. Schwertley, “Sola Scriptura e o princípio regulador do culto”, 2001, p. 11).

E até já se admitiu que “se Roma pode provar sua posição contra sola Scriptura, ela aniquila todos os argumentos da Reforma com um golpe fatal” (John MacArthur Jr., “A suficiência da palavra escrita”, em “Sola Scriptura numa época sem fundamentos”, 2000, pp. 135-136).

Um dos princípios fundamentais do Sola Scriptura é o livre exame da Bíblia, pois, se a plena liberdade no exame da Bíblia for negada, impondo-se algum padrão interpretativo ao crente, então não há mais Sola Scriptura, mas a Escritura e uma certa doutrina.

Assim, Lutero já defendia uma “compreensão totalmente livre das Escrituras” (“Comentário de Lutero sobre a 13ª tese a respeito do poder do Papa”, “Obras selecionadas”, v. 1, 1987, p. 315).

Na mesma linha, o presbiteriano A. A. Hodge, ao interpretar a Confissão de Fé de Westminster, reafirma o Livre Exame dizendo que “A doutrina protestante consiste em: (…) as Escrituras são a única voz autoritativa na Igreja; a qual deve ser interpretada e aplicada por cada pessoa a si mesma” (“Confissão de fé de Westminster comentada por A. A. Hodge”, 1999, p. 72).

E mais recentemente, mostrando a permanência e generalidade dessa visão, a Aliança de Evangélicos Confessionais, que reúne enorme gama de denominações protestantes espalhadas pelo mundo, reafirmando o Sola Scriptura na Declaração de Cambridge de 1996, manifestou expressamente o Livre Exame da Bíblia ao declarar: “Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa constranger a consciência de um crente” (James M. Boice e outros, “Reforma hoje”, 1999, p. 13).

Isso posto, convém examinar uma interessante definição do Sola Scriptura que é dada pelo portal “The Interactive Bible” (http://www.bible.ca/) que alega ser uma igreja local independente baseada na Bíblia com várias igrejas irmãs pelo mundo.

No texto “Definindo o Sola Scriptura corretamente”, afirma que “ele significa exatamente o que diz, a bíblia sozinha!” (“Bible alone” no original em inglês, expressão com a qual normalmente se traduz Sola Scriptura do latim para tal língua).

Prossegue afirmando que “Sola Scriptura significa”:
1. A Bíblia sozinha sem credos (ie Credo Apostólico, Credo Niceno);
2. A Bíblia sozinha sem concílios (ie Concílios Ecumênicos.);
3. A Bíblia sozinha sem cânones eclesiásticos (ie Cânones de Dort);
4. A Bíblia sozinha sem declarações de fé (muitas igrejas têm uma);
5. A Bíblia sozinha sem tradição oral (a menos que encontrada na Bíblia);
6. A Bíblia sozinha sem tradição eclesiástica (a menos que encontrada na Bíblia);
7. A Bíblia sozinha sem um “intérprete eclesiástico” (Católicos, Ortodoxos, Testemunhas de Jeová, todos dizem que somente a Igreja pode corretamente interpretar a Bíblia, não o indivíduo);
8. A Bíblia sozinha sem iluminação individual do Espírito Santo (Evangélicos, Batistas, Carismáticos e Calvinistas acreditam que eles são pessoalmente guiados pelo Espírito Santo para corretamente interpretar a Bíblia);
9. A Bíblia sozinha sem profecias e inspiração modernas (Pentecostais, Carismáticos e muitos dos cultos do Século XIX: Mórmons, Adventistas, todos afirmam ter profetas vivos.).”
(Introduction and Overview to Sola Scriptura”, endereço eletrônico http://www.bible.ca/sola-scriptura-start.htm, tradução nossa do texto em inglês).

Repare que é feita uma contundente crítica a praticamente todas as denominações protestantes, que em primeiro afirmam o Sola Scriptura, mas logo depois à Escritura somam algum tipo de doutrina ou autoridade oficial.

O texto também faz uma distinção entre “Igrejas Anti-Sola Scriptura”, que incluem a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas Orientais, de fato esse é o caso, e “Igrejas Pseudo-Sola Scriptura”, ou seja, que falsamente alegam adotar o Sola Scriptura, e que incluem Carismáticos, Pentecostais, Evangélicos, Batistas, “todas as igrejas da Reforma”, e Calvinistas, é dizer, praticamente todo o Protestantismo.

Assim, o que esse site/organização, fundamentalista sem dúvida, mostra é a absoluta incoerência de todo o Protestantismo ao proclamar “Sola Scriptura” e depois adotar credos, declarações de fé, algum tipo de autoridade, seja profeta, seja igreja, ou acrescentar supostas profecias.

Nesse sentido, prossegue afirmando: “Esta é a verdade”: (…) Apelar para credos, como regra de fé traz uma contradição irreconciliável tanto com a Bíblia quanto entre os diferentes credos entre si. A iluminação interior do Espírito Santo para compreender a Escritura é comprovadamente uma falsa doutrina porque o Espírito não vai revelar doutrinas diferentes para pessoas diferentes. Aqueles que acreditam na iluminação interior do Espírito Santo são, portanto, autoenganados pensando que tudo o que eles acreditam é verdade porque o Espírito Santo levou a essa crença”.

Sem dúvida alguma, trata-se de levar o Sola Scriptura às suas últimas consequências, entretanto, consequências necessárias desse princípio. Com efeito, essa visão não representa uma ruptura com o Protestantismo de origem no século XVI, mas seu genuíno desenvolvimento, levando os seus princípios à mais pura expressão.

Ora, se a Bíblia é a única regra de fé e de moral, se somente por ela, livremente examinada, tudo se deve avaliar, e se com esse princípio se rejeita tanto a Tradição como o Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana, que vinham se desenvolvendo desde o tempo dos Apóstolos, também se deve rejeitar todos os outros credos, declarações de fé, doutrinas (de “reformadores”), catecismos, tradições, elaborados e desenvolvidos a partir do século XVI por seitas e líderes protestantes.

Deveras, não é coerente, a partir do Sola Scriptura (com seu Livre Exame da Bíblia) simplesmente trocar uma tradição e um magistério eclesiástico por outro. Portanto, a rejeição de toda tradição e doutrina é uma consequência natural da primeira rejeição da Tradição e do Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana, feita por Lutero no século XVI e seguida por tantos outros.

Mas tal rejeição leva a um outro paradoxo já implícito nas afirmações acima transcritas: se toda a doutrina, princípio, pressuposto, tudo que não é estritamente a palavra da Bíblia, deve ser rejeitado, então o Sola Scriptura também deve ser, por ser doutrina/princípio/pressuposto tanto quanto os demais, já que não está enunciado claramente (na verdade, nem implicitamente) na Bíblia.

De fato, repare que não há um versículo bíblico citado em nenhuma definição do Sola Scriptura transcrita acima, embora todas afirmem seguir a Escritura, somente a Escritura e nada mais que a Escritura.

Conclusão: o Sola Scriptura é autodestrutivo, pois exige a rejeição de si mesmo.

Assim, se o Sola Scriptura é o princípio fundamental do Protestantismo, o princípio formal da Reforma, sem o qual todo o Protestantismo não pode se sustentar, como afirmado pelos próprios teólogos protestantes, então a inevitável conclusão é que o Protestantismo tem um erro fatal de princípio, sendo absolutamente insustentável do ponto de vista lógico.


Parece que somente o ódio à Igreja de Cristo explica que esse movimento tenha surgido e se expandido, embora de modo fragmentário, já há 500 anos. Algo que se compreende olhando para o povo que diz: “soltem Barrabás!”.

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

SÃO TOMÁS DE AQUINO E A ADORAÇÃO DA IMAGEM DE CRISTO



Na busca incessante de acusações contra a Igreja Católica Apostólica Romana, e buscando sustentar sua tese já desgastada de que a Igreja ensina os católicos a adorarem imagens, tem circulado um panfleto virtual (“meme”) com uma imagem de São Tomás de Aquino e um trecho da Suma Teológica que estaria dizendo ser devido adorar a imagem de Cristo.

Os trechos em questão foram extraídos da Parte Terceira, Questão 25, Art. 3, na tradução de Alexandre Correia, disponibilizada pela Editora Permanência, sendo os seguintes:

Art. 3 — Se a imagem de Cristo deve ser adorada com adoração de latria.
O terceiro discute-se assim. — Parece que à imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.”
Mas, em contrário, Damasceno cita Basílio, que diz: A honra prestada à imagem é prestada ao ser a que ela pertence, isto é, ao modelo. Ora, o modelo mesmo isto é, Cristo, deve ser adorado com adoração de latria. Logo, também a sua imagem.”
4. Demais. — No culto divino não se deve praticar senão o instituído por Deus. Por isso o Apóstolo, ao transmitir a doutrina do sacrifício da Igreja, diz; Eu recebi do Senhor o que também vos ensinei a vós. Ora, a Escritura nada nos diz sobre a adoração das imagens. Logo, a imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria.”
RESPOSTA À QUARTA. — Os Apóstolos, por uma inspiração familiar do Espírito Santo, ensinaram certas práticas a serem observadas pelas Igrejas, que não deixaram por escrito, mas na observância da Igreja, através das gerações dos fieis. Por isso o Apóstolo mesmo diz: Estai firmes e conservai as tradições que aprendestes, ou de palavra, isto é, proferida oralmente, ou de carta nossa, isto é, por um escrito transmitido. E entre essas tradições está a da adoração das imagens de Cristo. Por isso São Lucas pintou a imagem de Cristo, que, segundo se conta, está em Roma.”

O problema, como de costume, é o que o panfleto não mostra, e esse é o objetivo desse pequeno artigo, esclarecer o que São Tomás de Aquino realmente ensina mostrando mais da Suma Teológica.

Antes, porém, cabe esclarecer que a Igreja Católica Apostólica Romana possui doutrina oficial, que pode ser consultada no Catecismo aprovado pela Igreja e disponibilizado em diversos idiomas no site do Vaticano. E o Catecismo contém o seguinte no parágrafo 2132: “A honra prestada às santas imagens é uma «veneração respeitosa», e não uma adoração, que só a Deus se deve”. Não resta dúvida, portanto, que não é crido ou ensinado pela Igreja que se deva adorar imagens, e qualquer um que queira realmente saber o teor da doutrina católica tem aí a sua resposta.

Veremos, contudo, que disto não destoa São Tomás de Aquino. De fato, encontramos na Suma Teológica:

Sendo a latria devida só a Deus, não o é à criatura; não o é, no sentido em que a venerássemos em si mesma. Mas, embora as criaturas insensíveis não sejam em si mesmas dignas de veneração, a criatura racional o é. Por isso, não devemos o culto de latria a nenhuma criatura racional como tal. Sendo, porém, a bem-aventurada Virgem uma criatura racional, em si mesma, não lhe devemos a adoração de latria, mas só a veneração de dulia. De maneira mais eminente, contudo, que às outras criaturas, por ser Mãe de Deus. E por isso dizemos que lhe é devida, não qualquer dulia, mas a hiperdulia.” (ST, P. III, Q. 25, Art. 5).

Portanto, o Doutor Angélico ensina claramente que adoração somente é devida a Deus, a veneração a pessoas, sendo que nem mesmo à Virgem Maria é devida adoração, e quanto às coisas, como as imagens em si mesmas, nem mesmo veneração é devida.

Assim, não se pode dizer que São Tomás de Aquino defenda a adoração de imagens, pois claramente rejeita mesmo a veneração senão a pessoas. De fato, ele explica que “Não prestamos o culto de religião às imagens consideradas em si mesmas, como coisas: mas, enquanto conducentes ao Deus incarnado. Ora, o culto pela imagem, como tal, não finda nela, mas, tende para o ser que ela representa. Logo, prestar o culto de religião às imagens de Cristo não diversifica a ideia de latria nem a virtude de religião” (ST, P. II, S. II, Q. 81, Art. 3).

Disto já se tem o suficiente para ver que a acusação de que este grande Santo e Filósofo ensine a adorar imagens é infundada. Resta mostrar o que São Tomás de Aquino efetivamente ensina no texto do qual foram extraídos os trechos colacionados no panfleto.

Seguindo o método escolástico, São Tomás de Aquino propõe uma questão: “Se a imagem de Cristo deve ser adorada com adoração de latria”, e inicia a resposta com a antítese: “Parece que à imagem de Cristo não deve ser adorada com adoração de latria”, e prossegue apresentando os argumentos para tal antítese: primeiro que a Escritura diz para não fazer imagens, segundo que a adoração de imagens é uma prática pagã, terceiro que a adoração a Cristo decorre de sua divindade pois não se deve adorar o homem por ser imagem de Deus, e quarto que a Escritura não ensina a adoração de qualquer imagem. Até parecem as objeções dos protestantes de hoje.

Depois traz manifestação no sentido contrário, que representa a Tradição da Igreja: “Mas, em contrário, Damasceno cita Basílio, que diz: A honra prestada à imagem é prestada ao ser a que ela pertence, isto é, ao modelo. Ora, o modelo mesmo isto é, Cristo, deve ser adorado com adoração de latria. Logo, também a sua imagem”.

Esse é um dos trechos transcritos no panfleto. Na verdade é uma citação de São João Damasceno, ao defender o uso das imagens contra os iconoclastas no século VII. E embora mencione a adoração da imagem (de Cristo), havia explicado que esta se dá na verdade Àquele que a inspira (o modelo), por este ser digno de adoração. Damasceno estaria defendendo não a adoração da imagem propriamente dita, o objeto seja pintura ou escultura, mas a adoração por meio dele do Deus feito homem, o Cristo. É exatamente com esse sentido que São Tomás prossegue defendendo essa afirmação.

De fato, a resposta, com a tese defendida por São Tomás, vem a seguir:

Como diz o Filósofo, a nossa alma se aplica com duplo movimento, a uma imagem, à em si mesma, como uma determinada coisa e enquanto imagem de alguém. E entre esses dois movimentos há a diferença seguinte: o primeiro movimento, pelo qual nos aplicamos a uma imagem, enquanto uma determinada coisa, difere daquele pelo qual nos aplicamos ao ser a que ela pertence; ao passo que o segundo movimento, cujo objeto é a imagem como tal, é idêntico ao que tem por objeto o ser ao qual ela pertence.”

Assim, citando o Filósofo, isto é, Aristóteles, em seu pequeno tratado Da Memória e da Recordação, São Tomás entende que o ser humano pode se dirigir a uma imagem visando a própria imagem, isto é, o objeto em si mesmo; mas que, ao contrário, pode se dirigir à imagem visando não ao objeto, mas sim àquele que a imagem nos traz à mente.

Hoje, podemos pensar na fotografia de uma pessoa querida, uma mãe, um filho. Ninguém pega uma fotografia destas com desdém, e é comum que se as aperte contra o peito, ou que se beije a imagem da pessoa na fotografia, num sinal de amor e saudade. É óbvio que ninguém em sã consciência ama o papel impresso e a tinta. O amor expresso nesse movimento à fotografia na verdade é direcionado à pessoa ali fotografada. É esse um movimento do segundo tipo mencionado por São Tomás de Aquino, e aqui ele se encontra plenamente coerente com seu ensinamento em parte anterior de sua obra: “o culto pela imagem, como tal, não finda nela, mas, tende para o ser que ela representa”.

Prossegue então em sua resposta: “Donde, pois, devemos concluir, que à imagem de Cristo, enquanto uma determinada coisa, por exemplo, madeira esculpida ou pintada, nenhuma reverência é prestada, por que reverência só é devida à natureza racional”. Aqui São Tomás fala daquele movimento do primeiro tipo, dirigido à imagem enquanto objeto em si (madeira esculpida ou pintada) dizendo com clareza e precisão que nenhuma reverência lhe deve ser prestada.

Prossegue ele: “E daí resulta que lhe prestamos reverência só enquanto imagem”. Ou seja, se enquanto objeto em si mesmo a imagem nada significa, qualquer gesto de veneração ou adoração que, de modo exterior, aparente e material a ela seja dirigido, somente pode ter por destinatário aquele do qual ela é imagem, representação, ou seja, àquele ao qual ela nos remete. Novamente o Doutor Angélico está apenas repisando aquilo que já disse, como visto acima.

Donde se segue que a mesma reverência é prestada à imagem de Cristo e ao próprio Cristo”. Isto é, se o movimento se dirige a Cristo mesmo, não ficando na mera pintura ou escultura, então esse movimento deve ser o devido ao próprio Cristo. A consequência evidente é esta: se o Cristo é adorado, quem se dirige à imagem dEle, enquanto imagem meramente que aponta para o Cristo mesmo, dirige-se ao próprio Cristo, e, portanto, deve estar realizando um gesto de adoração, não da imagem propriamente mas do Cristo. E nesse sentido conclui São Tomás de Aquino: “Sendo, portanto, Cristo adorado com adoração de latria, consequentemente a sua imagem deve ser adorada também com adoração de latria”.

Resumindo: se a imagem em si mesma nada significa, ela somente recebe qualquer reverência na medida em que se reverencia aquele que ela nos aponta. Então, nesse movimento, que não fica na imagem, mas a ultrapassa e alcança aquele a quem ela nos remete, venera-se quem é digno de veneração, e adora-se quem é digno de adoração, ou seja, o Cristo. O movimento, assim, embora dirija-se (externa, material e aparentemente) à imagem, dirige-se na realidade ao Cristo, e, por isso, apenas nesse sentido, cabe falar na adoração à imagem de Cristo, que, repisa-se, não é adoração à imagem propriamente enquanto objeto, mas Àquele a quem ela remete e ao qual verdadeiramente se dirige nossa mente, palavras e gestos, pois “o culto pela imagem, como tal, não finda nela, mas, tende para o ser que ela representa”.

Voltando à aplicação a uma fotografia de um ente querido, o beijo na fotografia impressa é um ato de expressão de amor que se dirige, de modo exterior, material e aparente, a um papel impresso com tinta, mas de modo algum termina nele, pois não é o papel impresso que é amado. Portanto, é um ato que expressa amor à pessoa fotografada. Do mesmo modo, a oração, o louvor, as lágrimas, o beijar os pés ou as feridas, da imagem do Cristo, crucificado, glorioso, menino, de modo algum expressa adoração ao gesso, tela, madeira, aço, ou tinta, mas tão somente Àquele Deus que se fez homem e veio morar no meio de nós, dando sua vida pela salvação de muitos.

É isso que “aqueles que não entendem difamam” (Jd 1,10). No temor de cometerem algo contrário ao que agrada a Deus, a mentalidade protestante ressuscitou a velha heresia iconoclasta, que, ao invés de compreender a função da arte sacra para a fé e a piedade, rejeita-a completamente, e vê idolatria em gestos legítimos de amor a Deus, idênticos aos mais naturais gestos de amor pelas pessoas queridas, apenas porque não se encaixam em tal mentalidade.

Prossegue São Tomás de Aquino respondendo às objeções, iniciando pela primeira, da proibição bíblica de se fazer imagens:

O referido preceito não proíbe fazer qualquer escultura ou imagem, mas, fazê-la para adorar, e por isso acrescenta: Não as adorarás nem lhes darás culto. Mas, como se disse, o movimento para a imagem é o mesmo que o para a realidade; por isso, é proibida a adoração da imagem do mesmo modo pelo qual o é a adoração do ser a que ela pertence. E por isso se entende a proibição, do lugar aduzido, de adorar as imagens, que os gentios faziam para venerar os seus deuses, isto é, os demônios. Donde o acrescentar a Escritura: Não terás deuses estrangeiros diante de mim. Pois, do verdadeiro Deus, que é incorpóreo, não se pode fazer nenhuma imagem corpórea; porque, como diz Damasceno, é suma insipiência e impiedade dar figura ao divino. Mas, como no Novo Testamento Deus se fez homem, pode ser adorado na sua imagem corpórea”.

Essa é a explicação completa do preceito bíblico, e é isso que a Igreja ensina há milênios. Não se adora os ídolos dos deuses pagãos, mas o Deus único e verdadeiro, que se fez homem, e portanto assumiu uma forma material e humana, e desde sempre os cristãos utilizam símbolos e representações que a ele remetem, desde a Cruz, na qual Ele nos salvou, o peixe, cuja palavra em grego contém as iniciais do louvor “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”, as pinturas e esculturas, das quais as mais antigas conhecidas remontam ao início do século III (mais antigas que a Bíblia enquanto biblioteca sagrada, isto é, que o cânon bíblico) e, principalmente, ao século IV, quando o fim das perseguições permitiu o florescimento da arte sacra.

Sobre a segunda objeção (não imitar as práticas idólatras dos pagãos), São Tomás explica que : “a adoração das imagens deve ser contada entre as obras infrutuosas, por duas razões. Primeiro, porque certos gentios adoravam essas imagens como se fossem as realidades, crendo habitar nelas a divindade, por causa das respostas que os demônios por meio delas davam, e outros efeitos insólitos semelhantes. Segundo, por causa das realidades que elas manifestavam; pois, faziam essas imagens, de certas criaturas, veneradas nelas pela veneração de latria. Ao passo que nós adoramos por adoração de latria a imagem por causa da realidade que ela representa, como dissemos”.

Ou seja, as práticas pagãs, quer de adorar um objeto em si, quer de adorar por meio dele um falso deus ou demônio, são proscritas. Adorar Cristo, por meio da sua imagem (já que não se adora a imagem em si), é justo e devido.

Respondendo à terceira objeção, de que não se deve adorar o homem por ser imagem de Deus, escreve: “À criatura racional é devida reverência, em si mesma. Por onde, se à criatura racional, que é a imagem de Deus, fosse tributada a adoração de latria, poderia haver ocasião de erro; isto é, poderia o afeto dos adoradores limitar-se ao homem, como um determinado ser, sem levar-se até Deus, de que ele é a imagem. O que não pode dar-se com a imagem esculpida ou pintada na matéria insensível.”

Ou seja, o homem tendo personalidade própria, sendo pessoa, ser racional, não pode ser adorado enquanto imagem de Deus, exatamente porque, sendo pessoa, essa adoração atingiria ao homem mesmo. Mas a imagem, por ser mero objeto, sem racionalidade ou personalidade, é perfeitamente instrumentalizada para a adoração Àquele a quem remete e é de fato digno de toda a adoração e louvor, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Valendo-nos novamente do exemplo da fotografia, enquanto ninguém pensaria que o beijo na foto impressa é um ato de amor ao papel e à tinta, um beijo no filho de uma pessoa que se ama (que não deixa de ser imagem e semelhança de seus pais) poderia aparentar ser um ato de amor ao filho, e não a um de seus genitores. É fácil imaginar situações em que isso poderia causar constrangimentos. Portanto, se a intenção é essa, é melhor beijar a foto, que não tendo personalidade não seria objeto de amor em si mesma.

Enfim chegamos à resposta à quarta objeção, de que a Bíblia não ensina a adorar a imagem do Cristo: “Os Apóstolos, por uma inspiração familiar do Espírito Santo, ensinaram certas práticas a serem observadas pelas Igrejas, que não deixaram por escrito, mas na observância da Igreja, através das gerações dos fiéis. Por isso o Apóstolo mesmo diz: Estai firmes e conservai as tradições que aprendestes, ou de palavra, isto é, proferida oralmente, ou de carta nossa, isto é, por um escrito transmitido. E entre essas tradições está a da adoração das imagens de Cristo. Por isso São Lucas pintou a imagem de Cristo, que, segundo se conta, está em Roma.”

Esse é outro trecho transcrito no panfleto acusatório protestante. A questão é que, após reunir outros trechos da magistral obra de São Tomás de Aquino, a Suma Teológica, e seguir os passos de seu raciocínio na questão proposta, sabe-se perfeitamente o que o grande Doutor Angélico quer dizer com adoração da imagem de Cristo. Com efeito, sabe-se que ele se mantém coerente com o princípio de que “o culto pela imagem, como tal, não finda nela, mas, tende para o ser que ela representa”. Assim, quando fala de adorar uma imagem de Cristo, não pretende dizer que se deva adorar o objeto de gesso ou tinta, mas o Cristo mesmo que é ali representado, é dizer, é antes adorar a Cristo por meio de sua imagem, ou ainda, num movimento que se dirige à imagem mas a ultrapassa para visar e atingir aquele ao qual a imagem nos remete.

Daí a coerência de sua resposta à quarta objeção, esclarecendo que, não estando nosso conhecimento da fé limitado à Bíblia, mas igualmente à Tradição, reputamos perfeitamente lícitas práticas não prescritas, mas coerentes com o ensinamento bíblico.

São Tomás chega a supor que deva haver um ensinamento vindo do tempo dos apóstolos nesse sentido. Isto é possível mas nem é efetivamente necessário. Basta que o uso das imagens não contrarie a Palavra de Deus escrita, como explicou São Tomás na resposta à primeira objeção, e que nos tenha chegado pela Tradição e pelo Magistério da Igreja, consolidado nessa questão no VII Concílio Ecumênico (Niceia II). O fato entretanto é que, mesmo no que chegou até nós (pois objetos antigos não necessariamente sobrevivem por dois mil anos) realmente Cristo é representado de várias formas (peixe, cruz, pinturas), desde os inícios do Cristianismo, e que essas representações remetem a Cristo é a razão de serem feitas, e que Cristo é adorado é da essência do Cristianismo; logo, pode-se dizer que essas representações, desde os tempos primevos, foram meios pelos quais se adorava a Cristo.

São Tomás de Aquino, portanto, não ensina a adorar imagem alguma. Ao contrário, reiteradas vezes afirma que a imagem em si mesma é mero objeto indigno de qualquer consideração. Entretanto, a imagem é meio, é, como dizemos hoje, linguagem, que remete quem a vê, a toca, àquele que é “representado”. Se este é digno de veneração, a imagem é meio de a ele venerarmos. Se é digno de adoração, é meio de adorarmos. Não se venera nem adora a coisa, mas aquele ao qual a coisa ajuda a enviar nosso pensamento. Assim, o gesto vai, externamente, à coisa, mas o sentido vai à pessoa, como àquele que amamos e de quem temos uma fotografia. Se fala o grande Teólogo em adorar uma imagem, deixa ele claro que não se trata propriamente de adorar aquela imagem (objeto), mas ao Cristo, Deus que se fez homem, ali representado, num movimento que vai para a imagem, mas visa e chega Àquele ao qual ela remete nosso pensamento. Há antes nisso, podemos dizer numa linguagem moderna, uma simplificação, pois ao dizer “adorar a imagem de Cristo” claro está o sentido de “adorar Cristo por meio de sua imagem”.


Não deve ser esquecido, entretanto, que a doutrina oficial da Igreja Católica está acessível e à disposição de todos. O texto do Catecismo é direto, em linguagem atual, destinado, como se diz, tanto aos doutos quanto aos indoutos, e visa apresentar de modo claro aquilo que é crido e ensinado pela Igreja. A honestidade na busca pela doutrina católica, portanto, deve levar antes ao Catecismo, e somente como recurso de fundamentação, compreensão histórica e crítica, a obras de séculos de idade e destinadas, já quando elaboradas, a iniciados em Filosofia e Teologia. Pinçar obras como tais, e espalhar trechos que aparentam contrariedade ao que é efetivamente ensinado pela Igreja como se fosse a fé e prática católica é algo claramente desonesto, e visa antes à difamação que à verdade. Felizmente, a verdade brilha nas trevas.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A Igreja Católica na Bíblia – Parte 1: "Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16,18)


Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mateus 16,18).

Após Pedro ter declarado “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, e Jesus tê-lo chamado “Bem-aventurado” e explicado “porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai, que está nos céus” (Mateus 16,16-17) Nosso Senhor faz essa declaração solene.

Ela inicia dando a Simão, filho de Jonas (versículo 17), um novo nome, Pedro. No diálogo original, em aramaico, a língua falada por Jesus e seus discípulos, o nome é Cefas (Kefas). Esse é o nome que aparece em João 1, 42: “Tu és Simão, filho de Jonas; tu serás chamado Cefas (que quer dizer Pedro)”. E também é diversas vezes mencionado por São Paulo (1 Cor 1,12; 15,5; Gal 2,9 entre outros). Kefas foi traduzido para o grego como Pétros, para o latim Petrus, donde em português Pedro. Em aramaico, a língua originária do diálogo, Kefas significa pedra. Assim temos, “tu és Kefas (pedra), e sobre esta kefas (pedra) edificarei a minha igreja”.

O sentido é óbvio: Nosso Senhor Jesus Cristo funda a sua comunidade de fé (Igreja), que é uma só (“a minha igreja”), e o faz a partir de uma pessoa, cuja missão é tal que seu nome é alterado em função dela, antes era Simão, agora é Kefas (Cefas, Pedro, pedra).

Essa declaração de Nosso Senhor é tão clara e direta, ao instituir uma única Igreja, sobre uma única liderança, que a única maneira de permanecer protestante tendo a Bíblia como livro sagrado é criando todo um contorcionismo interpretativo para negar o que é óbvio.

Assim, dizem que igreja na verdade é o conjunto de todos os que crêem que Jesus é o Cristo, portanto algo difuso e não identificável, sem corpo ou autoridade, e que Pedro se é pedra não o é no sentido da rocha sobre a qual Cristo funda sua igreja, porque o grego faz diferença entre pedra e rocha, e Pedro (Pétros) significaria pedra, enquanto Jesus é a rocha (petra), e que na verdade Pedro nem mesmo é uma pedrinha, porque a pedra é a fé dele, em razão da profissão de fé no Cristo no versículo anterior...

É no mínimo interessante que os protestantes que costumam reivindicar uma interpretação o mais literal possível de toda a Bíblia, e fazem holofotes sobre alguns versículos que pensam (erroneamente) serem contrários à Igreja Católica, aqui, entretanto, fazem o inverso, tentam, diante de uma declaração solene e direta de Nosso Senhor, criar uma interpretação sofisticada para não aceitar o sentido claro, e até mesmo esvaziar de significado o texto.

Que Cristo é a rocha, a pedra angular, é claríssimo em todo o Novo Testamento. Entretanto, não faria sentido nenhum Nosso Senhor mudar o nome de Simão para Pedro (pedra) e, na mesma frase, referir-se não a ele (Pedro) pela palavra pedra, mas a si mesmo (Jesus). Jesus é a rocha, sim, a pedra angular, sim, portanto, o que faz ao chamar Simão, dando-lhe um novo nome (Cefas, pedra) é justamente estender a Pedro algo do próprio Cristo, em outros termos, é dar-lhe o poder de falar por Cristo após sua partida, torná-lo seu vigário. O fato do Cristo ser a rocha e a pedra angular, portanto, só aumenta a profundidade e o significado do “título” que o Cristo confere a Simão, filho de Jonas, ao nomeá-lo Pedro (Cefas, pedra).

A função de Pedro, assim, é a de Eliaquim: “E será naquele dia que chamarei a meu servo Eliaquim, filho de Hilquias; E vesti-lo-ei da tua túnica, e cingi-lo-ei com o teu cinto, e entregarei nas suas mãos o teu domínio, e será como pai para os moradores de Jerusalém, e para a casa de Judá. E porei a chave da casa de Davi sobre o seu ombro, e abrirá, e ninguém fechará; e fechará, e ninguém abrirá” (Isaías 22,20-22). O paralelo com o versículo seguinte de Mateus 16 (“E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”) é evidente. Pedro, portanto, é o primeiro-ministro do Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo, como Eliaquim o foi do reino de Davi (sob o reinado de Ezequias), e, como primeiro-ministro é ele quem administra em nome do Senhor.

Ademais, edifícios são construídos a partir da pedra angular, mas não apenas com ela. Cristo, assim, a rocha fundamental, é a cabeça da Igreja (Ef 5,23) que é seu corpo (Cl 1,24). Pedro, portanto, sobre o qual Cristo funda a sua Igreja, é a pedra seguinte que liga a pedra angular a todo o edifício da Igreja (Ef 2,20-21).

Quanto à distinção entre os termos gregos para pedra e rocha no texto do evangelho, não é relevante pelo fato de que no aramaico, língua do diálogo, a palavra é a mesma (Kefas). O problema então seria de tradução, e como “petra” que afirmam significar rocha, é feminino, “Pétros”, que seria pedra, é masculino, explica-se o uso desses termos ligeiramente diferentes nessa frase em grego. Entretanto, esse é o tipo de sutileza que depende do contexto em qualquer língua. Com efeito, o famoso protestante James Strong, embora aponte essa diferença, afirma que “petra é o feminino de Petros” (Strong's Exhaustive Concordance, 4073). E há quem afirme que no grego usado na redação dos evangelhos a distinção entre os termos empregados era ignorada – e isso parece muito plausível, já que era uma versão simplificada do grego, chamado Koiné.

Quanto a afirmar que a pedra é a fé de Pedro, Simão é que foi nomeado Kefas (pedra), então ele poderia até ser a pedra em razão da sua fé, mas o fato é que ele, a pessoa, é que recebeu um novo nome, cheio de significado. Ademais, Nosso Senhor afirma que a profissão de fé de Simão (“tu és o Cristo”) veio do alto, ou seja, são palavras que não vieram da fé de Pedro, mas da iluminação do Espírito Santo.

E quanto a Igreja ser o conjunto difuso dos fieis, sem visibilidade, hierarquia, autoridade, organização, simplesmente não é compatível com a ideia de ser o corpo de Cristo (Cl 1,24), pois um corpo é visível, identificável, individualizável, possui organização e capacidade de ação. Também é incompatível com a autoridade que recebe, como em Mateus 18, 17. É interessante que nessa passagem Nosso Senhor primeiro exorta, para resolver um disputa entre irmãos, a buscar duas ou três testemunhas, e caso isso não seja suficiente, aí o caso deve ser levado à Igreja. Portanto, supõe uma Igreja visível, organizada, capaz de decidir com autoridade, até porque, buscada posteriormente ao testemunho de dois ou três.

Por fim, cabe lembrar o que o mesmo São Pedro disse: “tome outro o seu bispado” (Atos 1,20). Assim, a cabeça visível da Igreja vem sendo mantida em sucessão desde os tempos dos primeiros cristãos, como atesta Irineu de Lião:

Mas visto que seria coisa bastante longa elencar numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitar-nos-emos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos, Pedro e Paulo (...) Os bem-aventurados apóstolos que fundaram e edificaram a igreja transmitiram o governo episcopal a Lino, o Lino que Paulo lembra na carta a Timóteo. Lino teve como sucessor Anacleto. Depois dele, em terceiro lugar, depois dos apóstolos, coube o episcopado a Clemente (...) A este Clemente sucedeu Evaristo; a Evaristo, Alexandre; em seguida, sexto depois dos apóstolos foi Sisto; depois dele, Telésforo, que fechou a vida com gloriosíssimo martírio; em seguida Higino; depois Pio; depois dele, Aniceto. A Aniceto sucedeu Sotero e, presentemente, Eleutério, em décimo segundo lugar na sucessão apostólica, detém o pontificado”(Contra as heresias – Livro III, 3, 2-3).


A Igreja Católica Apostólica Romana portanto, era, é, e continuará sendo a Igreja do Cristo, filho do Deus vivo, fundada por Nosso Senhor sobre Pedro, que vem sendo desde o início sucedido em uma linha ininterrupta, como cabeça visível da Igreja, Corpo de Cristo cuja cabeça suprema, pedra angular, é o próprio Cristo.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017