Todo
o Protestantismo se estrutura a partir do princípio Sola
Scriptura, somente a Bíblia. Como disse o famoso Charles Haddon
Spurgeon “A Bíblia, toda a Bíblia, e nada mais que a Bíblia é a
religião dos protestantes” (“The Eternal Name”).
De
fato, temos que “Sola Scriptura já foi chamado o princípio
formal da Reforma, no sentido de que se posiciona no início de tudo
e assim direciona e forma tudo que os cristãos afirmam como
cristãos” (James Montgomery Boice, “Reforma hoje”, 1999, p. 7;
evidentemente se referindo aos protestantes pelo termo “cristãos”).
Também
já se disse que “Sola scriptura é um dos princípios
fundamentais da Reforma Protestante. Alguém poderia até dizer que
outras grandes doutrinas da Reforma (tais como sola gratia e
sola fide) são logicamente dependentes do sola scriptura”
(Brian M. Schwertley, “Sola Scriptura e o princípio
regulador do culto”, 2001, p. 11).
E
até já se admitiu que “se Roma pode provar sua posição contra
sola Scriptura, ela aniquila todos os argumentos da Reforma
com um golpe fatal” (John MacArthur Jr., “A suficiência da
palavra escrita”, em “Sola Scriptura numa época sem
fundamentos”, 2000, pp. 135-136).
Um
dos princípios fundamentais do Sola Scriptura é o livre
exame da Bíblia, pois, se a plena liberdade no exame da Bíblia for
negada, impondo-se algum padrão interpretativo ao crente, então não
há mais Sola Scriptura, mas a Escritura e uma certa doutrina.
Assim,
Lutero já defendia uma “compreensão totalmente livre das
Escrituras” (“Comentário de Lutero sobre a 13ª tese a respeito
do poder do Papa”, “Obras selecionadas”, v. 1, 1987, p. 315).
Na
mesma linha, o presbiteriano A. A. Hodge, ao interpretar a Confissão
de Fé de Westminster, reafirma o Livre Exame dizendo que “A
doutrina protestante consiste em: (…) as Escrituras são a única
voz autoritativa na Igreja; a qual deve ser interpretada e aplicada
por cada pessoa a si mesma” (“Confissão de fé de Westminster
comentada por A. A. Hodge”, 1999, p. 72).
E
mais recentemente, mostrando a permanência e generalidade dessa
visão, a Aliança de Evangélicos Confessionais, que reúne enorme
gama de denominações protestantes espalhadas pelo mundo,
reafirmando o Sola Scriptura na Declaração de Cambridge de
1996, manifestou expressamente o Livre Exame da Bíblia ao declarar:
“Negamos que qualquer credo, concílio ou indivíduo possa
constranger a consciência de um crente” (James M. Boice e outros,
“Reforma hoje”, 1999, p. 13).
Isso
posto, convém examinar uma
interessante definição do Sola
Scriptura
que
é
dada pelo portal “The
Interactive Bible”
(http://www.bible.ca/)
que alega ser uma igreja local independente baseada na Bíblia com
várias igrejas irmãs pelo mundo.
No
texto “Definindo o Sola Scriptura corretamente”, afirma
que “ele significa exatamente o que diz, a bíblia sozinha!”
(“Bible alone” no original em inglês, expressão com a
qual normalmente se traduz Sola Scriptura do latim para tal
língua).
Prossegue
afirmando que “Sola Scriptura significa”:
“1. A Bíblia sozinha sem credos (ie Credo Apostólico, Credo Niceno);
2. A Bíblia sozinha sem concílios (ie Concílios Ecumênicos.);
3. A Bíblia sozinha sem cânones eclesiásticos (ie Cânones de Dort);
4. A Bíblia sozinha sem declarações de fé (muitas igrejas têm uma);
5. A Bíblia sozinha sem tradição oral (a menos que encontrada na Bíblia);
6. A Bíblia sozinha sem tradição eclesiástica (a menos que encontrada na Bíblia);
7. A Bíblia sozinha sem um “intérprete eclesiástico” (Católicos, Ortodoxos, Testemunhas de Jeová, todos dizem que somente a Igreja pode corretamente interpretar a Bíblia, não o indivíduo);
8. A Bíblia sozinha sem iluminação individual do Espírito Santo (Evangélicos, Batistas, Carismáticos e Calvinistas acreditam que eles são pessoalmente guiados pelo Espírito Santo para corretamente interpretar a Bíblia);
9. A Bíblia sozinha sem profecias e inspiração modernas (Pentecostais, Carismáticos e muitos dos cultos do Século XIX: Mórmons, Adventistas, todos afirmam ter profetas vivos.).”
(“Introduction and Overview to Sola Scriptura”, endereço eletrônico http://www.bible.ca/sola-scriptura-start.htm, tradução nossa do texto em inglês).
Repare
que é feita uma contundente crítica a praticamente todas as
denominações protestantes, que em primeiro afirmam o Sola
Scriptura, mas logo depois à Escritura somam algum tipo de doutrina
ou autoridade oficial.
O
texto também faz uma distinção entre “Igrejas Anti-Sola
Scriptura”, que incluem a Igreja Católica e as Igrejas Ortodoxas
Orientais, de fato esse é o caso, e “Igrejas Pseudo-Sola
Scriptura”, ou seja, que falsamente alegam adotar o Sola Scriptura,
e que incluem Carismáticos, Pentecostais, Evangélicos, Batistas,
“todas as igrejas da Reforma”, e Calvinistas, é dizer,
praticamente todo o Protestantismo.
Assim,
o que esse site/organização, fundamentalista sem dúvida, mostra é
a absoluta incoerência de todo o Protestantismo ao proclamar “Sola
Scriptura” e depois adotar credos, declarações de fé, algum
tipo de autoridade, seja profeta, seja igreja, ou acrescentar
supostas profecias.
Nesse
sentido, prossegue afirmando: “Esta é a verdade”: (…) Apelar
para credos, como regra de fé traz uma contradição irreconciliável
tanto com a Bíblia quanto entre os diferentes credos entre si. A
iluminação interior do Espírito Santo para compreender a Escritura
é comprovadamente uma falsa doutrina porque o Espírito não vai
revelar doutrinas diferentes para pessoas diferentes. Aqueles que
acreditam na iluminação interior do Espírito Santo são, portanto,
autoenganados pensando que tudo o que eles acreditam é verdade
porque o Espírito Santo levou a essa crença”.
Sem
dúvida alguma, trata-se de levar o Sola Scriptura às suas
últimas consequências, entretanto, consequências necessárias
desse princípio. Com efeito, essa visão não representa uma ruptura
com o Protestantismo de origem no século XVI, mas seu genuíno
desenvolvimento, levando os seus princípios à mais pura expressão.
Ora,
se a Bíblia é a única regra de fé e de moral, se somente por ela,
livremente examinada, tudo se deve avaliar, e se com esse princípio
se rejeita tanto a Tradição como o Magistério da Igreja Católica
Apostólica Romana, que vinham se desenvolvendo desde o tempo dos
Apóstolos, também se deve rejeitar todos os outros credos,
declarações de fé, doutrinas (de “reformadores”), catecismos,
tradições, elaborados e desenvolvidos a partir do século XVI por
seitas e líderes protestantes.
Deveras,
não é coerente, a partir do Sola Scriptura (com seu Livre
Exame da Bíblia) simplesmente trocar uma tradição e um magistério
eclesiástico por outro. Portanto, a rejeição de toda tradição e
doutrina é uma consequência natural da primeira rejeição da
Tradição e do Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana,
feita por Lutero no século XVI e seguida por tantos outros.
Mas
tal rejeição leva a um outro paradoxo já implícito nas afirmações
acima transcritas: se toda a doutrina, princípio, pressuposto, tudo
que não é estritamente a palavra da Bíblia, deve ser rejeitado,
então o Sola Scriptura também deve ser, por ser
doutrina/princípio/pressuposto tanto quanto os demais, já que não
está enunciado claramente (na verdade, nem implicitamente) na
Bíblia.
De
fato, repare que não há um versículo bíblico citado em nenhuma
definição do Sola Scriptura transcrita acima, embora todas
afirmem seguir a Escritura, somente a Escritura e nada mais que a
Escritura.
Conclusão:
o Sola Scriptura é autodestrutivo, pois exige a rejeição de
si mesmo.
Assim,
se o Sola Scriptura é o princípio fundamental do
Protestantismo, o princípio formal da Reforma, sem o qual todo o
Protestantismo não pode se sustentar, como afirmado pelos próprios
teólogos protestantes, então a inevitável conclusão é que o
Protestantismo tem um erro fatal de princípio, sendo absolutamente
insustentável do ponto de vista lógico.
Parece
que somente o ódio à Igreja de Cristo explica que esse movimento
tenha surgido e se expandido, embora de modo fragmentário, já há
500 anos. Algo que se compreende olhando para o povo que diz: “soltem
Barrabás!”.
Excelente texto.
ResponderExcluirÓtimo texto. Trocam a Tradição e o Magistério da Santa Igreja por imitações baratas, sem se derem conta que estão sendo contrário ao princípio que dizem professar.
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